Ganvié – Os Tofinu é o enredo da Folguedo Caipira para o Carnaval Virtual 2024

Cantando as águas sagradas dos Tofinu, a SCESV Folguedo Caipira apresentou o enredo que levará para a disputa do Grupo de Acesso I do Carnaval Virtual.

De autoria de Alberto Lemos, a escola de Jaboticabal irá defender o enredo “Ganvié: A saga Tofinu sobre as águas sagradas”.

Confira abaixo a sinopse divulgada pela agremiação:

Ganvié: A saga Tofinu sobre as águas sagradas

SINOPSE 

No palácio real de Abomey, os preparativos para o Xwetanu chegaram ao fim. Esse ano a comemoração principal era pela vitória sobre o reino de Uidá, o que garantiria ao Daomé a expansão para o sul e o acesso à costa e ao grande porto de Uidá. A receita que o comércio triangular entre África, América e Europa e o acesso a armas mais letais eram fundamentais para os interesses do rei Agajá, que tinha planos de futuramente se libertar dos pesados tributos impostos pelo poderoso Império de Oyó e se consolidar como potência regional. Na presença de uma multidão de súditos de todas as castas e de embaixadores de nações africanas e europeias, o grande festival garantiu homenagens aos voduns da casa real e a divinização de Agajá, o quinto de sua dinastia, por todo o povo do Daomé.

No primeiro dia Agajá recebeu presentes dos embaixadores, dos súditos e dos nobres vassalos dos territórios conquistados, ouviu pacientemente suas demandas e resolveu disputas, com a intermediação sagrada de Legba.

No segundo dia, Agajá escolheu alguns de seus escravos para sacrifício. Uma pilha de corpos degolados se formou em frente a sua tenda e o sangue das vítimas foi derramado no solo pelo próprio rei.

No terceiro dia, Agajá se purificou em um banho ritual e vestiu novos trajes luxuosos. Os sacerdotes lhe impuseram uma coroa de ouro e o declararam Ahosu, da mesma forma que seus antepassados, que foram honrados com ofertas generosas de alimentos e bebidas.

No quarto dia Agajá organizou um desfile solene de voduns que percorreu a capital enquanto o povo entoava cânticos sagrados.

No quinto dia, Agajá liderou um desfile de ricos conselheiros e administradores regionais, que distribuíram espólios da guerra para a população em sinal de generosidade.

No sexto dia, enquanto o povo era guiado em cerimônias pelos sacerdotes, o monarca se reuniu com seus conselheiros e analisou as mudanças do contexto político.

No sétimo dia o exército organizou uma grande parada, com a participação de todos os regimentos militares, dentre os quais se destacava o regimento das mulheres guerreiras, treinadas desde a infância para serem os melhores soldados nas guerras, as Ahosi.

No oitavo dia houve uma grande festa, com banquetes, músicas e danças cerimoniais, que demonstravam a generosidade do rei para com seu povo. O novo emblema, com destaque para um navio, foi apresentado a todos. Fora da tenda real, Agajá era aclamado como rei sagrado do povo do Daomé. No interior, as autoridades reconheceram o Ahosu soberano de todas as terras que conquistou e assinaram contratos e tratados com o rei.

Logo oficial do enredo

Ao fim de todos os rituais, Agajá se sentiu mais poderoso do que nunca. Mas durante as reuniões ele tomou conhecimento de que algumas tribos não haviam ainda o reconhecido como rei, dentre elas a tribo dos Tofinu. Como esse povo vivia ao longo da costa, pelo potencial de criar problemas no tráfego portuário, o Ahosu e seus generais planejaram então subjugar os Tofinu. Os líderes deveriam reconhecer Agajá como rei e vodum ou se juntariam ao restante da população e seriam sequestrados e vendidos como escravos.

Durante décadas os Tofinu resistiram aos ataques de outros povos na base apenas da diplomacia. Eles viviam na costa e praticavam pesca e comércio. Sua crença prezava a paz sob a orientação dos espíritos da natureza e dos antepassados, e era diferente da praticada pelas côrtes do Daomé. Inicialmente os líderes religiosos tofinu tentaram negociar com Agajá o pagamento de tributos anuais, mas as Ahosi sequestraram dezenas de pessoas da tribo e as venderam como escravos no porto de Uidá.

Percebendo sua inferioridade bélica, os Tofinu recorreram à sabedoria dos antepassados. Em uma noite chuvosa, o sábio Abodohoué foi proclamado rei e recebeu dos voduns de seu povo o poder de se comunicar com os espíritos da natureza. Abodohoué unificou todas as aldeias Tofinu e ordenou que aguardassem suas ordens. Em sonho, ele recebeu de seus ancestrais as orientações que ele e seu povo deveriam buscar proteção no leste, onde haveria abundância de água. Com seu rei à frente, os Tofinu caminharam para leste por um dia e uma noite, até receberem a notícia de que o exército de Agajá se aproximava para encurralá-los nas margens do lago Nokoué.

Abodohoué tranquilizou seu povo e disse que a salvação lhe havia sido revelada em sonho. Com auxílio dos espíritos das águas, o rei se transformou em uma garça branca e voou até uma ilha de lama no meio do lago. Ali deveria ser construído a nova capital dos Tofinu. Espantado, o povo perguntou como chegaria até lá com todos os seus pertences e como construiriam suas casas. Abodohoué recorreu novamente aos espíritos das águas e foi transformado em um grande crocodilo, que mergulhou no lago. Ele convenceu os outros crocodilos do lago a transportarem os Tofinu e seus pertences até as ilhas de lama, e ainda ajudaram as pessoas a montarem estruturas de estacas de juncos sobre as quais foram erguidas casas, oratórios, cemitérios, ancoradouros, estaleiros, celeiros e até roças para plantações e criação de aves e caprinos, além de um palácio para Abodohoué. Em troca, os crocodilos receberam a garantia de que haviam se tornado sagrados para os Tofinu, que uma parte do obtido na pesca a eles seria doada e que as pessoas não lhes fariam mal.

Após uma semana de trabalho, a nova cidade estava praticamente pronta e os Tofinu já haviam fabricado suas canoas para locomoção. Foi então que Agajá em pessoa chegou com seu exército às margens do lago, acreditando que seria a batalha mais fácil de sua vida. Mas quando percebeu que teria que combater pessoas na água ele ficou frustrado. Os voduns que guiavam o rei do Daomé não permitiriam de forma alguma que a água pura da natureza fosse maculada com sangue ou que pessoas fossem sequestradas em ambiente aquático. Seria uma heresia grave, passível de punição imediata. Abodohoué declarou que seu povo não sairia mais do lago, e que o comércio seria feito com outros povos em suas margens, mas os Tofinu se manteriam dentro de suas canoas. Contrariado, Agajá se deu por vencido e desistiu de subjugar os Tofinu, retornando com seu grande exército para o palácio de Abomey. Em comemoração, o povo nomeou a cidade como Ganvié, que na língua dos tofinu significa “Sobrevivemos”.

A construção da cidade inteira sob estacas, seguindo o padrão de palafitas, não foi exclusividade de Ganvié. Mas ali, a criatividade humana permitiu a invenção das estacas com material extremamente perecível disponível na redondeza, o que implica na necessidade de reconstrução quase anual das estruturas. Os tofinu também inventaram onze tecnologias (acadjas) diferentes para a criação de peixes, cada uma com formato, tamanho, finalidade e até materiais diferentes. As funções sociais são divididas, com homens obtendo alimentos na pesca e agricultura e mulheres cuidando da família e circulando com canoas para trocas comerciais.

Ganvié na atualidade é uma cidade da República do Benim com cerca de 30 mil habitantes, que ainda vivem de forma quase autossustentável em 3 mil edifícios, em uma cidade flutuante no lago Nokoué. O monarca descendente de Abodohoué não tem mais função política desde a anexação francesa, mas se mantém como um líder espiritual que preserva as tradições únicas do seu povo. A cidade foi proclamada patrimônio mundial em 1996 e pode ser visitada. Seus principais desafios hoje são a degradação ambiental, a segurança hídrica e a manutenção do turismo sustentável.

Moral da História: Quando um povo é ameaçado por um inimigo poderoso, ele pode usar a sua inteligência, a sua habilidade, a sua coragem, a sua fé, o seu amor e a sua união para se salvar e se reinventar.

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Author: Lucas Guerra

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