Jovelina Pérola Negra é o enredo da Imperiais do Samba para 2023

Atual 4ª colocada do Grupo Especial do Carnaval Virtual, o GRESV Imperiais do Samba apresentou o enredo que levará para a busca do título de campeã de 2023.

Pavilhão oficial da agremiação

De autoria do seu presidente, Wellington Kirmeliene, a escola de Santo André/SP irá cantar Jovelina Pérola Negra através do enredo “No Ilê da Pérola Negra”.

Confira abaixo a sinopse do enredo divulgada pela agremiação:

Introdução

Dizem que quando as folhas de Iroko (o Tempo) viram, as velhas histórias se encerram e novas podem e devem ser escritas. Duas décadas após a criação do carnaval virtual e da fundação da Imperiais do Samba como escola virtual, nos colocamos a buscar orientações para novas histórias sem esquecer o que fomos, o que somos para que sejamos o que queremos ser e precisamos ser. Desta forma nos curvamos à memória musical de Jovelina “Pérola Negra”, mulher preta de voz forte e altiva, que trouxe por meio de seu cantar aquilo que faz parte da alma imperiana: os fundamentos (setor 1), o orgulho preto (setor 2), a fé preta (setor 3), a alegria (setor 4) e a memória (setor 5).

Abertura

Comecei como sonho juvenil. Era celebração de amizade e elo de esperança por continuidade da história que se encerrava. Anos depois, ganhei ares virtuais e surgi como a primeira escola de samba virtual do planeta. Nasci, cresci e me transformei. Muito caminhei, tropecei, me reergui e venci. O amor ao samba e ao sonho daqueles jovens me faz vencer!

Duas décadas se passaram e como fênix que sou, preciso me refazer, me transmutar, porém sem jamais abandonar minha essência, o que me faz ser o que sou. Assim, me coloco diante de ti, mãe-preta, pérola negra, Jovelina, para que me aconselhe nos tempos que virão.

Dai-me licença de entrar no seu Ilê cósmico e, aos seus pés, me colocar para que me diga tudo o que preciso ouvir.

Axé, Jovelina!

SETOR 1 – FUNDAMENTOS QUE NOS UNEM – A PROTEÇÃO DOS ORIXÁS

Sonho-menino coroado, reconheço em tua coroa tudo que carrega. Estão ali os fundamentos que nos unem e que unem os seus a ti. Reluz em cada arco uma reminiscência dos orixás. Eles também me acompanharam em vida e hoje os acompanho em essência. Esse é “o mesmo manto” que nos cobre e nos fortifica. Aqueles que tentam nos amarrar, marcam bobeira. A nossa fé vem das águas cristalinas da cachoeira de Oxum. Não valeu de nada rezar a noite inteira, nem para me ganhar e nem para ganhar de você. A beleza ilumina o mundo e supera a crueldade. Também vejo a chama altiva de Xangô ardendo em suas asas de Fênix. Você, “sem saber se debruçou no mesmo manto, onde eu me deitei e pra Xangô me dediquei”. Não esquece disso: seu brilho sedutor e sua altivez incandescente são o que lhe mantém “renascendo a cada dia enquanto houverem carnavais”[1].

Mas sei que há muito mais…

Vejo em seu interior o sussurro que vem da “boca da mata”, os brilhos da “chave de ouro” e de “moedas de prata” e o som estridente das “aves de agouro”. Há em ti a magia vital das “águas de benzer e de molhar” que vêm lá das altas pedreiras. Beba sempre dessa liquidez assim como eu fiz. ” Ela me enche de fé me dando um banho de paz”. Pois “beba dela no Coité e vejo o bem que te faz”.

É, é, é…em seus caminhos nunca abriu mão, assim como eu, da figa de guiné, das mandingas, dos fuxicos e do espírito guerreiro de São Jorge, pai Ogum de tantas nações. Nossos santos são fortes e são quem mandam no terreiro! Quem tentou quebrar teu merecimento, oh…oh… caiu primeiro!

Mas há um ponto a mais…um canto a mais!

Consigo ouvir ecoar da alma de sua gente um canto de sereia. “Diz a lenda que o pescador quando ouve o canto da sereia enlouquece de paixão, incendeia o coração, esperando a lua cheia; e tão lindo é o seu cantar que leva o jangadeiro para o alto mar”. Seu batuque, seus sambas, assim como os que cantei, carregam a sedução-sereia que faz cada folião enlouquecer e se apaixonar. Todos se tornam jangadeiros que esperam seu canto.

Para seguir em frente, saiba o que você é: junção de fundamentos protegidos pelos Orixás!

SETOR 2 – EM NOSSA PELE A RAZÃO DE SER – ORGULHO PRETO

Aprendemos assim, eu e você, que nossa pele guarda a razão do que somos: pretos altivos e vitoriosos. A cada ano, a cada verso por mim cantado e sonho por você desfilado, reavivamos nossa raiz africana. É sempre preciso cuidar dessa raiz. É sempre preciso afirmar que a pele preta é nossa armadura e nosso corpo negro é triunfo de Oxalá[2]. Assim você cantou, não? Pois que continue…pois ainda se vive num tempo onde o óbvio precisa ser dito constantemente.

“Ao ecoar do rumpi-lé” e da sua batucada, tenha certeza que os tambores de Angola, Guiné-Bissau, de Aruanda, da velha Bahia ressoam mais fortes e ecoam pela sua voz. Por você, pelo seu samba, podemos retornar às terras de Luanda. Podemos nos congraçar sob o alá branco de Oxalá…Ofilala eô! Quando nós cantamos erguemos em nossas vozes o estandarte de Pai Buroko e os afoxés retintos celebram a existência preta. Vitoriosa existência preta!

“Meu irmão de cor, meu irmão de sangue… você vencerá na vida, tenha fé em Zambi”. Afinal, bem sabemos que ter fé, acreditar, é algo que faz parte de nossa essência e verdade. Essência e verdades pretas!

Segue sendo esse cheiro de roça mestiça, essa vibração de jongueiros e partideiros, o bater das mãos no sertão mineiro de senhoras que entram na roda e das moças que ficam sentadas. Segue sendo “caxambu pra lá…caxambu pra cá” e, se tentarem impedir seus batuques e danças, não pare de dizer “abre a roda minha gente, deixa o caxambu entrar!”. Ainda tem muita gente querendo fechar a porta pra nossa gente e para nossas coisas pretas. Falam que é vitimismo, mas quem sofreu a história foram os nossos! Temos lugar de fala e o samba fala por todos nós! Se tentarem lhe fechar a porta…já sabe o que fazer. Como você cantou lá trás? “Não há mordaça que me faça deixar de ecoar”[3]. Segue assim!

Uma coisa eu afirmei e você afirmará até o fim dos tempos: essa pele preta é tudo que eu sempre quis!

SETOR 3 – A CURA DAS DORES E O VENENO CONTRA A MALDADE – A FÉ PRETA!

Você ouve desde sempre o som dos tambores, ancestrais e atuais. Essa sonoridade fala com você, com sua alma. Por isso “mandei te chamar pra cantar na palma da mão, mandei te chamar pra ajudar bater na palma da mão”. Não poderia deixar de lhe relembrar de cada segredo que há numa folha de guiné e num ramo de arruda. De lhe lembrar que essas nossas crenças resistiram mesmo com o sangue derramado em cada pelourinho desse país. A ladeira do pelô é local de memória…não dá para esquecer para que não se repita!

Carregue sempre contigo os mistérios de Catendê que nas folhas tudo vê, tudo sabe e tudo pode. Conhece a cura das dores e o veneno contra a maldade.  Nos corpos que formam seu corpo celebre sempre o gingado de Camafeu de Oxóssi e o ritmo-resistência de “Filhos de Ghandi, Muzenza, Araketo e Badauê, Ilè aye e Malê Debalê, Olodum e afreketê, Oba Sirê, Olorum, Obá Dudu, Orumilá, Ijexá”. A “raça corrente de fé” tem mais elos que qualquer um pode imaginar. Nossas raízes são iorubás, mas também carregam um quê de Congo, de Angola, de Daomé e de toda pretitude em que nos edificamos e em que nos espelhamos.

Somos legados das crenças antigas, crenças que se recriaram nos ilês, barracões e templos desse país; em cada padê nas encruzilhadas-arteriais dessa nação; aos pés das ladeiras, na baianidade que vive e revive no morro de Mangueira, do Salgueiro e no mercadão de Madureira. Somos uma só força chamada de fé preta!

SETOR 4 – PRA NIVELAR A VIDA EM ALTO ASTRAL – A ALEGRIA DE UM SORRISO ABERTO

Percorremos muitos tempos e espaços. Viemos de outro século e assistimos o que esse país e o mundo se tornaram. Sonhamos com pessoas melhores e cantamos por isso. Mas esse sonho ainda não nasceu como realidade. E é quando contemplamos isso que ela vem chegando…bem sabe do que falo. “Brilhou no céu, o fogo da dor e da guerra”[4]. Bem que você cantou, sonho menino coroado. “Tristeza foi assim se aproveitando pra tentar se aproximar, ai de mim”.  Mas mesmo assim o coração de bamba batuca em ritmo constante. “Se não fosse o pandeiro, ganzá e o tamborim” ai de nós, ai de toda a humanidade! Nossos fundamentos do samba não nos deixam padecer! A malandragem de tanta gente querida, “que balança, mas não cai”, nos conduz a “nivelar a vida em alto astral”. Sabe esse nosso sorriso aberto, preto e lindo? Então, é a certeza de que o paraíso está perto pra vida melhorar. A alma de pierrô que a realidade tenta impor a todos jamais deverá apagar sua alegria!

Somos partideiros da pele mais preta! Nosso improviso “é sério, é ciso não é de brincar”. Trazemos a essência dessa gente brasileira que sofre, chora, mas se reinventa para continuar vivendo, existindo e re-existindo! Não permita que ninguém apague essa “luz do repente, a estrela cadente” que “chega de repente não dá pra sentir”. Assim como em seu início, “brilhe mais que o sol”[5] e supere a escuridão desse mundo atribulado que gira na quietude do espaço. Verse, batuque, poetize e carnavalize a dureza dessa vida, pois na “lei do pagode só versa quem pode, quem sabe somar e não subtrair.” Você não só sabe adicionar mais alegria e esperança na vida das pessoas, como sabe multiplicar a beleza que a maior festa popular do planeta tem. Não sou turmalina e nem mesmo rubi…quando parti deixei um rastro da mais preta felicidade e por isso até hoje dizem, “a pérola negra passou por aqui”. Pois bem, que todo ano, “enquanto houverem carnavais”[6], todos digam também que a “imortal do samba passou por aqui” depois que seu desfile se encerrar.

E quando tudo se encerra? E quando tudo vira cinzas? Não tem problema. ” chora…eu falei pra você que malandro também chora”. Só não esquece que a natureza dessa vida é assim…ir e vir, folia e quarta-feira de cinzas. Veja nisso seu recomeço e voe uma vez mais, como a fênix que lhe representa! “Explode das cinzas, pra então renascer, meu samba é fibra pra guerra vencer”[7]…eu lembro, ouvi você cantando e vencendo assim!

Abre suas asas de novo…

Espalha as centelhas de sua alma boêmia e convoca “do partido alto ao samba de terreiro”, os pagodeiros de todas as cidades! Faça da voz deles, mais uma vez, a sua voz!

Derrame, por mais uma vez, um banho de felicidade!

Logo oficial do enredo

SETOR 5 –  É QUE ELE SOBREVIVE! – A MEMÓRIA DO SAMBA NO ILÊ DA PÉROLA NEGRA

Tá chegando a hora…já estão lhe esperando.

Não precisa temer mais nada.

Antes de ir, porém, tem mais gente aqui no meu Ilê que quer lhe falar. São bambas que já foram batucar nas estrelas.

Vem, Bezerra e lembra que “malandro é malandro e mané é mané”! O poeta falou…e você precisa continuar falando!

“Olará, cadê Clementina de Jesus? Cadê dona Ivone Lara?”

Despertem, outra vez, a lembrança de que o samba é antes de tudo dançado de pé no chão e batido na palma da mão! Que ele sobrevive sob a tamarineira, sob o cajueiro, sob o coração daqueles que não desistem desse danado do samba!

Ergue sua bandeira!

Ascende sua coroa imperiana de fé!

Segue em frente, Imperiais!

A memória que leva hoje vem de todas as paragens e paisagens.

Guará, vem cá…desce do “famoso 33” e pega na mão dela!

Reúne os elos da raça e arma a escola.

Desce todo mundo do Vidigal, do Cantagalo, Pavão e Pavãozinho!

E Ouve! Ouve!! É! É! É!

A sirene tocou!

“Vai à luta!” e “deixa ferver!”

Que o tempo das décadas lhe cubra de mais glórias e vitórias!

E lembre-se, no Ilê da Pérola Negra sempre terá um ninho para se recriar!

Vai lá, que o povo, mais uma vez precisa de você…até porque… “Imperiais, teu povo te ama!”

[1] Verso do samba de enredo de 2009 da Imperiais do Samba.

[2] Samba de Enredo de 2021 de Imperiais do Samba.

[3] Samba de Enredo de 2013 da Imperiais do Samba.

[4] Samba de Enredo de 2007 da Imperiais do Samba.

[5] Samba de Enredo de 2003 da Imperiais do Samba.

[6] Samba de Enredo de 2009 da Imperiais do Samba.

[7] Samba Enredo de 2013 da Imperiais do Samba.

Author: Lucas Guerra

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