O BVC Colorados do Samba apresentou o enredo que levará para a disputa do Grupo de Acesso II, do Carnaval Virtual 2024.
De autoria de Henrique Pessoa e Maurício Vianna, a escola irá apresentar o enredo “SARAVÁ! O CARNAVAL SOU EU!”, uma homenagem para Milton Cunha.
Confira abaixo a sinopse divulgada pela agremiação:
SARAVÁ! O CARNAVAL SOU EU!
A Colorados, alucinada, traz Milton Cunha para os braços do povo e pede licença para contar a história babadeira desse artista brasileiro, metonímia da nossa gente e do próprio carnaval. É verdade que os caminhos percorridos por esta narrativa poderiam ser diversos, assim como o enfoque dado. A Colorados, no entanto, optou pelo confete e pela serpentina, pela pena de pavão e, assim, converteu qualquer preto e branco em cores para deixar a essência da alegria, marca dessa figura adorada e adorável, falar mais alto.
Milton Reis da Cunha Júnior, Milton Cunha, menino, velho – de sabedoria; não de idade, que fique claro -, camaleão, pavão, o enfeitado, da infância na mata. O menino dos búfalos, o esquisito, o extravagante, a pintosa, o cor de rosa, o cor de todas as cores; o amante dos caciques e da pintura de urucum – vermelho! O colorido em um mundo preto e branco. Das ruas, da academia; o erudito, o popular. O paradoxo. O sonho possível! A alegoria idealizada um dia. A apoteose!
Espelho de alma refletida no artista – se se ficar o bicho pega, se correr o bicho come -, o desejo de sobreviver antes mesmo do desejo de ser. Sabedoria herdada da floresta ou da solidão atroz? Diz aí, Milton…
Soure, baía do Guajará. Os encantos naturais do Marajó, à beira dos igarapés. Traços do menino marcados na areia, veia artística precoce revelada no cenário da Ilha, entre cantos de pássaros e a presença de arvoredos; orquídeas; bromélia e um mundo só seu, escapismo absoluto da dor da solidão pungente que o abraçava sem piedade. Refúgio natural na floresta. Natureza nativa. Adornada. Patchouli, flor, cacho de bananeira, briga gostosa de mururé em família, cocar de índio, o belo guaraná, semente e pinturas indígenas o interessavam. Era bicho folharal. Já era, desde menino, carnaval.
Do outro lado da baía o sonho que a natureza clamava por transpor. Os estudos como trunfo, a janela para o mundo, o “indulto”, o passaporte da vida para a vida do menino, eventos que, com avidez, abraçou. Formou-se psicólogo e tal qual pássaro que se mira pelo desejo, em liberdade, de voar, era mais do que tempo de sobreviver. Era tempo de ser fora dali.
E, assim, no lusco-fusco de uma manhã que se principiava, voou o menino rumo ao sul, tal qual bicho fora do bando, com algum pouco dinheiro nas mãos e no coração duas certezas: a de que não havia volta e a de que havia esperança.
Chega ao Rio de Janeiro, terra do samba, da mulata e do futebol. O lugar do pote de ouro sonhado outrora, o “over the rainbow”, o sonho estava ali e o ano era 1972. Num albergue, num beliche alugado, passando roupas para o seu sustento, o jovem Milton sonhava sonhos possíveis: sonhos de praça pública, de teatro, da vida colorida fora de casa. No coração do menino onde um dia morou o sonho, agora morava a possibilidade.
Palco nas noites cariocas, ascensão meteórica, pavão do norte cheio de borogodó. Na tentativa de alcançar as artes pela comédia, dramaturgia, ópera, balé e circo, trabalhou em casas noturnas e conheceu personalidades. Tornava-se, assim, nome forte por seu trabalho no ramo da moda e das artes.
Surge, então, um Beija-Flor que nortearia o voo do curumim, Anísio Abraão Davi. Anísio, dotado de visão apurada, tal qual um beija-flor, exporia o que ele, Milton, poderia fazer com tudo aquilo que sabia, e o sonho de ser Franco Zeffirelli daria lugar à novidade e ao desejo antigo de ser o ser multifacetado, mas num único só lugar: no carnaval carioca.
Fiel ao clássico e erudito, acreditava nunca ser possível juntar seusinteresses à festa popular, que era o carnaval. Era a hora de Milton mostrar ao Milton que ele estava errado, para a nossa alegria. Assim, na mistura de ópera, cinema e balé à festa do carnaval surgem grandiosos desfiles do artista à frente da Beija-Flor: “Margareth Mee” e “Bidu Saião”. Defensor da importância do carnaval como instrumento de ensino e cultura, marcou história com enredos densos e necessários, tais como: “Fatumbi”, “Agudás”, “Preto e Branco a Cores” e muitos outros.
Não é mistério que, desde menino, já se sentia uma verdadeira Carmem Miranda. Foi e é o que tinha de ser; o que para a natureza foi feito: viado e bem humorado, inteligente, irreverente, uma escola de samba inteira. Milton sempre soube o que procurava, o estrelato. A arte de fazer carnaval nunca foi o seu objetivo de vida, ao contrário disso, era um mecanismo para conquistar o seu espaço no coração do grande público. Feito!
Em sua jornada, foi comentarista do carnaval de Vitória, do Festival de Parintins, e só em 2013 conquistou seu espaço na Vênus Platinada para comentar a maior festa popular do planeta, o carnaval carioca. Desse dia em diante, a televisão foi pequena para o seu brilho e carisma. Bom no que faz, conquistou o público imediatamente, virou voz de aplicativo de GPS e vive seu estrelato nas ruas, junto do povo, nas ruas, nas mesas de botequim, “transitando” entre o erudito e o popular e sendo, sobretudo, a voz do sambista, mas sem nunca ser cafona; sem nunca ser chinfrim. E, estudando sempre – para quem um dia ousou duvidar- o menino do Pará se tornou doutor, mas a essência é a mesma, a de menino. Vrá! Que babado; não?
Quando a Colorados chegar à Apoteose, na Passarela do CAV, com a sua capa ainda no mangue, fará sair por debaixo dela uma revoada de 700 uirapurus cantando o canto de cristal. Lá estará Milton Cunha, o homenageado, e todos nós, dentro e fora da esfera virtual, aqui na Terra ou no Espaço Sideral; os amantes do samba e até os doentes do pé. Seremos um só nesse cordão e, juntos, cantaremos, em uma só voz:
“Saravá! O carnaval sou eu!”.